(...)"Me fiz tão forte quanto o escuro do infinito
E tão frágil quanto o brilho da manhã que eu vi chegar" (...) Saga - Filipe Catto

quinta-feira, 26 de março de 2015

HEMODIÁLISE


Depois de um ano fazendo diálise peritoneal em casa, os médicos decidiram que era melhor eu fazer hemodiálise. Disseram que meu peritônio estava fraco por causa das peritonites que tive. A diálise já não tinha o efeito esperado.

Fiquei com medo, por causa das duas experiências ruins que tive na hemodiálise.

No ano 2000, o Hospital São Paulo fundou a primeira casinha de hemodiálise pediátrica, e eu fiz parte da 1ª turma. 

Comecei a fazer hemo em maio de 2000. Acabei achando melhor que a diálise peritoneal, apesar de ter que ir à “casinha” 3 vezes na semana, (terça, quinta e sábado) a sessão era de 4 horas (bem melhor do que ter que passar a noite ou ficar com o líquido dialítico por 6 horas na cavidade peritoneal). Também tinha a questão da dieta... Na hemodiálise eu podia comer comida com sal. Não tinha mais que fazer comida separada pra mim. Mas, a restrição hídrica era a mesma; 500 ml por dia. Ô sufoco!  

De vez em quando, eu abusava e pegava mais peso do que de costume. Era muito difícil conseguir passar o dia com 500 ml de líquido, entre água, café, leite, suco, frutas... Imaginem no calor! As enfermeiras mandavam chupar gelo para matar a sede. Também tinha que seguir dieta de potássio, fósforo e proteína. E apesar de tudo, eu estava entre os que pegavam menos peso entre uma sessão e outra. Eu fazia um pouquinho de xixi, mas era quase nada, acho que 50 ml por dia.

Desde que morava em Cananéia, de vez em quando eu “abusava” escondida. Às vezes, tinha ajuda de “cúmplices” ... Minha bisa, a Bruna, minha prima Thathí... Quando eu era pega, sempre sozinha, tomava aquela surra! Aquele ditado que diz: “O proibido é mais gostoso”. É a mais pura verdade!

Depois de uns dois meses fazendo hemo, marcaram pra eu tirar o cateter de Tenckhoff. Por três vezes não deu certo porque os exames pré-operatório deram alterações. Na quarta vez, estava tudo bem com os exames. Fui junto com uma menina, Kelly, que fazia hemodiálise junto comigo, ela era deficiente visual. Resolveram tirar primeiro o cateter dela. Voltei pra casa novamente sem tirar o cateter. A Kelly passou mal na cirurgia e foi internada na UTI. Dias depois ela faleceu.

Disseram que foi por causa da anestesia.
Foi aí que percebi que, toda cirurgia, por menor que seja, é um grande risco. Principalmente se for com anestesia geral.
Quando finalmente consegui tirar o cateter, foi um alivio tão grande! Pensem na alegria quando eu fui pra praia e pude entrar na água de corpo inteiro...

Aos 13 anos, comecei a ter vergonha do meu corpo. Eu era muito magra e meus joelhos eram valgos (pra dentro). Não conseguia engordar por causa do tratamento. Foram muitas as vezes que me senti inferior as minhas primas, amigas, colegas... por causa disso. Eu nunca ia em passeios para parques aquáticos, não usava shorts e saia acima dos joelhos, nem calça apertada. Eu usei muito, calça de homem.

Nessa época, ano 2000, eu estava na 5ª série, na E.E.Tito Prates da Fonseca. Precisei mudar de escola porque o horário da outra entrava em conflito com o horário da hemodiálise.
Muitas vezes, eu passava mal durante as sessões de hemodiálise. A pressão caia, a cabeça doía, sentia falta de ar e vomitava. O pior, era sair da hemo e ter que ir direto pra escola, de ônibus, porque nessa época minha mãe ainda não dirigia. Muitas vezes eu não consegui ficar na escola por causa da dor de cabeça. Algumas vezes insisti... Porém, na maioria das vezes não consegui ficar até o final e, minha mãe tinha que ir me buscar.

Às vezes, durante as sessões de hemodiálise as enfermeiras nos colocavam no centro da sala para jogarmos baralho ou fazermos outra coisa... Também escutávamos músicas. E, a cada quinze dias, voluntárias levavam animais para brincarmos. Fazia parte de um tipo de terapia. Fora isso, nós dormíamos. A hemo era na parte da manhã... Tinha que chegar antes das 7h.

Eu sempre fui tratada muito bem no HSP. Achava o setor de nefrologia pediátrica ótimo! Fazia acompanhamento nutricional, psicológico e odontológico. O odontológico era pago pelo ICRIM (Instituto de Apoio à Criança e ao Adolescente com Doença Renal).
O ICRIM promovia festas, passeios e dava presentes bons para “suas” crianças e adolescentes. Tudo para amenizar o nosso sofrimento.

Na “casinha” da hemo também, conheci pessoas maravilhosas e reencontrei outras. Apesar de gostar de toda a equipe de enfermagem, médicos e demais funcionários, não posso deixar de falar com um carinho muito especial (fico até emocionada) da “tia Vanessinha”, há conheci quando ela fez estágio na “casinha” de diálise peritoneal, depois ela fez estágio na casinha da hemo, e voltou formada para ser enfermeira na “casinha” de hemodiálise. Ela é uma pessoa muito doce, carinhosa e preocupada com seus pacientes. Até me visitava quando eu internava.

Uma vez, minha mãe teve uma reação alérgica muito forte a dipirona e ficou internada no HSP. A “tia Vanessinha” e a Dra. Malu (médica que dava plantão na casinha da hemo nas terças-feiras) à visitavam e conversavam com os médicos para nos informar melhor sobre o estado de saúde dela.

Quando saí da hemo, fiquei uns 8 anos sem notícias da “tia Vanessinha”. Mas, querendo muito encontrá-la. Soube, através de uma amiga do tempo da hemo, que ela havia mudado para o México. Procurei muito na internet... Até encontrá-la! Hoje mantemos contato.

 Durante uma sessão de hemodiálise
(carnaval de 2001)

domingo, 15 de março de 2015

A EVOLUÇÃO DA GESF PARA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA (IRC)

Conforme a doença foi evoluindo, os médicos tentavam tratamentos para retardar esse processo e/ou amenizar os efeitos que causava em mim. Fiquei em tratamento conservador por mais ou menos quatro anos.

Em maio de 1998, precisei fazer uma fístula arteriovenosa. Caso surgisse uma emergência, eu faria hemodiálise. Minha função renal já estava muito comprometida.

Em julho, apareceu um problema no meu coração, na válvula mitral. Fiquei internada no HSP. Tive água no coração e no pulmão. E, os médicos acabaram optando por colocar um cateter de Tenckhoff para eu fazer diálise peritoneal (procedimento em que é infundido uma solução na cavidade peritoneal para que a membrana peritoneal filtre o sangue, tirando o excesso de água e de substâncias tóxicas do corpo). Esse foi o meu “presente” de aniversário de 11 anos. Coloquei o cateter em 16 de setembro de 1998.

Quando tive alta do hospital, minha mãe e minhas tias fizeram uma festa para comemorar o meu aniversário, do meu primo Rodrigo e do meu irmão Jefferson (filho mais novo do primeiro casamento do meu padrasto). Nesse mesmo dia, 30 de setembro de 1998, meu pai biológico, Walmir, telefonou pra falar comigo pela primeira vez. Nem dei muita conversa. Disse que estava bem e feliz, e que estava comemorando meu aniversário, dei tchau e desliguei.

Os médicos optaram por não fazer hemodiálise naquele momento. Disseram que a diálise peritoneal seria melhor pra mim, porque eu era muito nova.

Essa fase da diálise peritoneal foi muito complicada. Eu tinha que ir na casinha da nefro do Hospital São Paulo duas vezes na semana (terça e sexta) para fazer a diálise e tinha que dormir lá. Eram 25 “banhos” com intervalo de meia hora entre um e outro. Minha mãe me levava e depois me buscava no dia seguinte. Ela não ficava comigo porque tinha a Bruna e também o Bruno, meu irmão mais novo. Ele nasceu em outubro de 1995, estava com 3 anos.

Na “casinha” conheci pessoas maravilhosas, entre profissionais e pacientes, que fizeram a diferença naqueles momentos difíceis, pessoas que guardo na memória e no coração com muito carinho. Seria muito pior se essas pessoas queridas não estivessem lá para me dar carinho e conforto. Mantenho contato com algumas delas até hoje.

Quando comecei na diálise peritoneal, minha mãe já começou a fazer os exames para doar um rim pra mim. Mas foi descoberto que ela tem o vírus da hepatite B. Portanto, não poderia doar.

Meu pai biológico não quis fazer os exames. Minha tia Izabel (irmã da minha mãe) quis doar, mas meus médicos não permitiram por ela ser muito nova.

Entrei na fila do transplante. 

Apesar dos cuidados que eram tomados pela equipe de enfermagem, por mim e pela minha mãe, para evitar infecções, eu peguei algumas peritonites (eram dores terríveis e, os remédios para aliviar as dores não adiantavam muito). Na primeira peritonite descobrimos que tenho alergia ao antibiótico Vancomicina; Comecei a me coçar, ficar vermelha, inchada e com falta de ar. Foi horrível!

Tive uma peritonite que foi tão forte que precisei tirar o cateter para poder tratar. Nesse intervalo que fiquei sem cateter, precisei fazer duas sessões de hemodiálise. Lembro da dor que senti e do meu braço todo roxo. Ia embora com uma compressa de gelo amarrada no braço. Precisava também, ir todos os dias no Hospital, durante 15 dias, tomar antibiótico na veia. Quando terminou esse prazo, colocaram um cateter rígido na minha barriga para fazer uma sessão de diálise e saber se a infecção tinha ido embora. Esse procedimento foi feito na “casinha” de diálise mesmo. (Foi muito ruim, tive uma tremenda febre, achei que ia morrer de tanto frio). Mas graças a Deus, não estava mais com peritonite.

Quando fui colocar o cateter para voltar à diálise peritoneal, pedi, no centro cirúrgico, para tirarem uma hérnia que eu tinha no umbigo. Foi sofrido! Sangrou muito! Parecia que não pararia nunca! O sangue vinha nas bolsas de diálise, com a solução infundida, na drenagem. Saia muitos coágulos de sangue e fibrina. (Detalhe: eram infusões e drenagens direto, sem permanência da solução no peritônio). Isso fazia meu cateter obstruir direto. Quando não conseguiam desobstruir fechando e abrindo as pinças, com pressão, me levavam pra uma sala e enfiavam um arame dentro do cateter. Eu gritava muito de dor! (Só de lembrar, sinto arrepio!)

Depois que tive alta, fiz algumas sessões de diálise na “casinha” e fui fazer em casa. (Minha mãe havia feito treinamento). Foi muito melhor! Eu podia viajar, não faltava mais toda semana na escola... Ganhei um pouco de qualidade de vida.

Na diálise em casa, naquela época, o líquido dialítico era trocado à cada 6 horas.

Quando eu viajava pra Cananéia, (era sempre pra lá que viajávamos), e íamos para a praia, tinha que colocar um plástico na barriga e usar maiô pra proteger o cateter da água do mar e da areia e, mesmo assim, só entrava na água até os joelhos e não podia sentar na areia. Por muitas vezes ficava triste, porque eu adorava praia e não podia aproveitar direito. Mas, fora da praia, me divertia muito brincando com meus primos.

Fazendo diálise peritoneal

Comemoração do meu aniversário de 11 anos.

terça-feira, 10 de março de 2015

ADAPTAÇÃO EM SÃO PAULO


Quando mudamos definitivamente pra São Paulo, foi difícil pra mim e pra Bruna nos acostumarmos com a casa, a cidade, o bairro... Era tudo muito diferente... Principalmente o ambiente... Não tinha praia, não tinha nossa bisa, tias, primas e primos... Tudo e todos ficaram pra trás! Minha irmã chorava, querendo voltar! Pra ela foi pior, principalmente porque ela era muito apegada com a nossa bisa, já que a mãe passava mais tempo longe dela. Minha mãe trabalhava pra uma bióloga, “tia Rô”, na Ilha do Cardoso. Passava a semana na Ilha e, às vezes, viajava com a patroa. Quando não era pelo trabalho, ficava longe da Bruna porque estava comigo no hospital.

A família do meu padrasto nos tratava muito bem! Nunca fizeram distinção entre mim e os demais sobrinhos e netos por eu ser enteada do Jorge. Isso ajudou muito! E, desde pequena, eu tinha a consciência que era pro meu bem, porque em Cananéia não tinha tratamento pra minha doença.

Éramos nove crianças no quintal. Brincávamos muito, juntos!

A diversão do dia-a-dia, amenizava a saudade de Cananéia.

Fui matriculada na escola Profº Oswaldo Quirino Simões, em 1996, com 8 anos. Eu já sabia ler, escrever e fazer contas. Minhas tias Bernardete e Claudete me ensinaram durante o ano de 1995. Também estranhei a escola. A forma de ensinar era completamente diferente da escola que estudei em Cananéia.

Mas, enfim nos acostumamos com tudo e com todos!